Trilhas herdadas
Caminhos naturais que carregam consigo a história e a cultura da regiã.
A maioria das trilhas existentes no Brasil foram construídas por razões que, atualmente, são pouco comuns ou relevantes, como trilhas usadas para locomoção entre comunidades em uma época predominantemente rural, sem estradas e veículos automotivos, ou para transporte de riquezas por tropas de burros e mulas durante o Brasil Colônia. Outras permitiam acesso a áreas de trabalho, como garimpos, atividades de extrativismo vegetal ou roças. Algumas dessas trilhas resistiram ao tempo e permanecem em uso.
Essas são as chamadas "trilhas herdadas". Embora frequentemente possuam valor histórico e, às vezes, afetivo, muitas delas são inadequadas para o contexto atual. Primeiro, porque os construtores originais não se preocupavam com a engenharia a fim de evitar erosão e outros problemas físicos e ambientais. Segundo, os usuários no passado tinham condicionamentos físicos e disposição diferentes da maioria das pessoas hoje em dia. Para eles, subirem grandes ribanceiras ou descerem íngremes pirambeiras não representavam um desafio.
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Em Serra Grande, a vasta rede de trilhas herdadas é um legado valioso da região. No entanto, o avanço do tempo e as mudanças naturais levaram ao desaparecimento de muitas dessas rotas originais. As trilhas que permanecem, como a do Cemitério via Costão, Pompilho, Prainha e Mirante I e II, não são apenas pontos de referência, mas testemunhas vivas da rica história e da evolução da paisagem local. Preservar e valorizar essas trilhas conhecidas é essencial para manter a conexão com o passado e garantir que futuras gerações possam vivenciar a beleza e a história que elas carregam.
Alessandro Lyrio, conhecido como Makaha, tem 51 anos e nasceu no Rio de Janeiro. Ele se mudou para a Bahia nos anos 1970 e conhece Serra Grande desde os anos 1980, morando na região há 13 anos. A Associação de Guias e Condutores de Serra Grande (Asconguis) foi fundada em 20 de outubro de 2015, tendo Makaha, como um dos membros fundadores. Ela foi criada por moradores para fortalecer a comunidade e melhor atender os visitantes. "Atualmente, contamos com dez associados. Cada membro precisa passar por um curso básico de turismo oferecido pela própria associação para atuar no setor profissional de condutores e guias de turismo", explica.
Makaha detalha as principais trilhas em Serra Grande. "A primeira, pela BA-001, é compartilhada por carros, caminhões e ônibus, sendo a mais utilizada para chegar à praia Pé de Serra. A segunda começa no Mirante da Baleia e passa pelo Mirante I, com descidas perigosas. A terceira segue pelo Costão. Todos esses caminhos necessitam urgentemente de formatação turística", afirma.
Essas inadequações das trilhas herdadas entram em conflito com os valores e objetivos contemporâneos. A primeira inadequação envolve problemas ambientais, como erosão e assoreamento de cursos d'água, que estão diretamente relacionados a impactos negativos sobre a água. A segunda discordância é um importante objetivo contemporâneo das trilhas: permitir que mais pessoas caminhem na natureza, promovendo saúde, gerando recursos econômicos em comunidades como Serra Grande, melhorando a conectividade ecológica e aumentando as possibilidades de conservação ambiental. Trilhas com bases erosivos, declividades acentuadas e obstáculos não são atraentes para a maioria das pessoas, principalmente porque grande parte da população brasileira vive em áreas urbanas, acostumada com superfícies planas e acessíveis.
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Trilhas: informação e sustentabilidade
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Pablo Casella, biólogo de 45 anos e residente em Serra Grande há um ano e meio, atua como analista ambiental no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Em entrevista à RSG, ele enfatiza a importância de um processo participativo na decisão sobre revitalizar ou substituir trilhas herdadas. Casella defende a criação de trilhas em harmonia com o meio ambiente e que promovam conexão enriquecedora para os usuários.
Quais são as principais considerações para revitalizar trilhas herdadas, garantindo a preservação ambiental e a segurança dos usuários?
Primeiro é refletir se queremos continuar a conviver com uma trilha herdada problemática. A resposta a essa pergunta precisa ser obtida da forma mais participativa possível, ouvindo-se diferentes pontos de vista, levando-se em consideração os impactos ambientais negativos que uma trilha herdada pode gerar, somando-se a eles o consequente alto custo de se intervir em trilhas problemáticas. Tenho convicção de que, na grande maioria das vezes, a construção de uma nova trilha sustentável tem uma melhor relação custo benefício do que conviver com uma trilha herdada problemática.
Via de regra, quais as dificuldades das trilhas herdadas?
É muito comum que trilhas herdadas tenham declividades bem maiores do que o aceitável, tecnicamente. Para se conviver com trilhas muito íngremes, suscetíveis à erosão e ao desconforto pro usuário, como as trilhas de acesso para o Pompilho e Prainha, por exemplo, precisamos realizar intervenções caras, trabalhosas e que interferem na sensação de contato direto com a natureza. Em geral não são intervenções que eu admire.
Como deve ser feito o planejamento?
Em se tratando de trilhas sustentáveis, devemos ter três pilares: a) causar impactos ambientais ínfimos; b) gerar mínima demanda de manutenção e c) não interferir na experiência do usuário com a natureza. A engenharia para alcançar essa mágica já é bem conhecida.
Como requalificar as trilhas em Serra Grande, considerando que muitas passam por propriedades privadas e rochedos que só podem ser acessados na maré baixa?
O primeiro passo é discutir participativamente o que queremos das trilhas da região. A partir disso, definirmos o perfil de público para cada trilha. Idealmente, um sistema de trilhas deve oferecer experiências para os vários perfis de usuários. Então, vem a engenharia, o desenho de cada trilha, buscando os pilares explicados acima. Proprietários precisam ser parceiros nisso, entenderem a importância social de uma trilha. Se não, talvez seja o caso de buscar um desvio de traçado da trilha. As trilhas em costão talvez se destinem a um público específico, não para todas as pessoas.
Apreciação consciente de cogumelos: O professor e pesquisador, Alexandre Rafael Lenz, 40 anos, da Universidade do Estado da Bahia, apresenta um projeto de turismo ecológico: as Micotrilhas. “Foi iniciado em 2022 e visa promover um tipo de turismo de natureza focado em fungos e cogumelos. A proposta foi submetida e aprovada pela Fundação Grupo Boticário. Em janeiro de 2023 iniciamos e contamos com a duração de dois anos”, explica. Ele acrescenta que quatro micotrilhas foram mapeadas em parques da Bahia: duas no Parque Estadual da Serra do Conduru (PESC), em Serra Grande, Uruçuca, e duas no Parque Nacional da Chapada Diamantina, no Vale do Capão, Palmeiras.
Em Serra Grande, Alexandre Lenz menciona que as trilhas que ocorrem no PESC são curtas, com pouco mais de 1 km e poucas variações de altitude. A atividade de avistamento dos cogumelos e fungos pode durar até três horas, o que encantam crianças devido a diversidade de formas e cores, bem como a abundante diversidade de árvores no Parque. “No entanto, é importante que os adultos monitorem o cansaço das crianças. As trilhas apresentam desafios como raízes expostas, trechos escorregadios e áreas com lama, especialmente devido às chuvas frequentes, dificultando o percurso para pessoas com mobilidade reduzida”, esclarece Lenz.
O objetivo principal do projeto Micotrilhas é promover o ecoturismo e a conservação da biodiversidade de fungos. Um grupo de pesquisadores em fungos realizou um extenso estudo sobre cogumelos no PESC, o qual contou com a participação da doutora em ecologia e conservação da biodiversidade, Nara Lina de Oliveira.