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Mãe Ilza Mukalê

  • Writer: Rodrigo Vidigal
    Rodrigo Vidigal
  • Sep 6
  • 3 min read

Memórias e ensinamentos no sul da Bahia


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Aos 91 anos, Mãe Ilza Mukalê é a guardiã de um tempo que resiste. Sentada no mesmo terreiro onde cresceu, no Matamba Tombenci Neto, em Ilhéus, ela preserva os ritos do candomblé de Angola que carrega desde os 13 anos. “Nasci, me criei, casei, tive filhos e família no candomblé”, diz, com a voz de quem viu a tradição atravessar décadas.


Filha de Valentin Afonso Pereira e de Mãe Roxa, ialorixá de liderança firme, Ilza Rodrigues Pereira dos Santos foi iniciada adolescente e recebeu o nome sagrado: Mukalê. Desde então, a religião deixou de ser apenas presença para se tornar destino: “Quando havia uma iaô na camadinha, quem tomava conta era eu e outra menina que veio de Salvador com minha mãe de santo. Éramos as responsáveis por acordar as makotas, as mais velhas, e fazer com que as muzenzas também acordassem, porque era hora das obrigações”.


Aprendeu vendo a mãe comandar o axé e corrigir com firmeza: “Tudo que ela fazia, fazia comigo. Dizia: isso aqui, nunca faça.” Passou por todos os degraus da hierarquia até assumir a zeladoria. Paralelamente, construiu uma família numerosa: 14 filhos, dez homens e quatro mulheres. “Fui lutando na vida e a vida foi mudando. A gente vai se fortalecendo”. No terreiro, cada gesto carrega memória. Ela se lembra de abrir a Casa grávida, com o corpo ‘aberto’ pela maternidade. “Meu pai e meu tio cantavam para Exu e Ogum, e eu preparava o caruru e o vatapá. Minha mãe ficava satisfeita”, recorda-se.


Tempo, rito, voz, herança - No cotidiano do terreiro os banhos rituais têm finalidades específicas: descarrego ou proteção. São feitos com ervas e preparações distintas. O conhecimento que guarda também vai dos cantos, rezas às folhas. “O banho de descarrego serve para tirar as coisas ruins do corpo da pessoa. Às vezes, a pessoa está sob influência de Egun; outras vezes, vê um despacho na rua, passa por cima ou até pega o dinheiro que foi deixado ali. E isso não faz bem, traz muita energia negativa para o corpo”, esclarece.


Em um tempo em que tudo parece correr com pressa, até o sagrado tem sido atropelado. “Hoje, muitos jovens olham para os mais velhos e passam direto não cumprimentam. Antigamente, isso não acontecia”. Mas o que mais a preocupa é a pressa. E repete o ensinamento: “Hoje a pessoa já está recebendo o eca, já abre casa, já coloca a mão na cabeça dos outros. Daqui a pouco, não é mais aquele santo. Aí já vai para outro lugar. Minha mãe costumava dizer: cabeça dos outros não é penico. Só se cobre uma vez. Aí a pessoa vai para outra casa, e o pai de santo diz: seu santo não é esse, é fulano de tal. Depois, a outra casa diz outra coisa”.


Para Mãe Ilza, o axé não se conquista de forma instantânea é uma estrada longa. “O tempo de um orixá não é o tempo do mundo. É construção, silêncio, escuta, humildade”. Com serenidade e firmeza, ela segue conduzindo rituais, transmitindo histórias e mantendo viva uma herança que não se aprende em livros. Sua vida é também a de uma comunidade que encontra no candomblé força, identidade e resistência; e que, graças a ela, ainda pode caminhar ao ritmo dos tambores ancestrais.


 
 
 

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Textos: Nerivaldo Goes 

Fotos: Kika Aidar

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